quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O Encontro com Deus

Era a primeira vez que ele fazia aquilo. Ir a uma médium consultar sobre o seu destino. Estava apreensivo. Eufórico. Entrou na casa, que era toda decorada em estilo esotérico, e sentou-se na cadeira. A mulher encarregada de desvendar-lhe o futuro sentou-se também. Cantou um mantra. Ele arrepiou-se todo. E com uma voz sombria, ela revelou-lhe: “-Logo, logo terás um encontro com Deus. Eu sei que falta alguma coisa, mas só consigo ver isso”. E então ele ficou nervoso. Impaciente. Na melhor das hipóteses, iria morrer.E a partir daquele instante, ele só teria mais e mais decepções.
Logo de cara, dez reais pela consulta. Dez reais para ir ao inferno e voltar. E talvez, depois, até ficar por lá. Então, ele saiu desiludido. Apático. Queria morrer. Não! Queria viver. Ele queria realmente viver. E, receoso, foi à casa de uma mulher que botava baralho. Queria ter certeza. Tinha, ao menos, que lutar.
E a mulher, pondo o baralho, com olhar apreensivo, disse-lhe: “-Em menos de um mês terás um encontro com Deus. Eu sei que falta alguma coisa, mas só vejo isso”. Deixando o olhar apreensivo de lado, deu um sorriso estonteante e estendeu a mão, levando quinze reais da nossa personagem. E agora? O que fazer? O destino estava fadado. Haveria a morte, haveria o encontro com Deus. E em breve.
Saiu da casa da cartomante. Queria andar. Andar sem destino. Sentia toda a dor do mundo sobre os seus ombros. Queria gritar. Gritar a sua própria dor. O seu medo. De uma fagulha de esperança, ainda tirou forças para ir à casa de uma baiana que botava búzios. Foi tímido. Cabisbaixo. Já sabia qual seria a resposta. A mulher, surpresa ao ler os búzios, falou trêmula ao homem: “-Se arrependerá de tudo que você fez. Em menos de um mês se encontrará com Deus. Eu sei que falta alguma coisa, mas só consigo ler isso”. Depois de ouvir essas palavras, o homem tirou vinte reais da carteira e pagou a baiana. Saiu de lá refletindo sobre “se arrepender de tudo que tinha feito”, e pensou: “Se vou me encontrar com Deus, e me arrepender, vou começar a fazer coisas boas para dar tudo certo”.
Foi ao banco, zerou sua poupança. Ficou somente com o necessário para dois meses (caso ocorresse algum imprevisto, afinal de contas, Deus é brasileiro) e distribuiu todo o restante com os pobres. Pegou todos os utensílios de sua casa e deu para os seus vizinhos. Doou sua casa para ser a sede de um orfanato. Virou, vamos assim dizer, um santo. Tarefa cumprida, voltou para a pousada onde havia se hospedado, pagando dois meses adiantado. E bem na porta da pousada, com um vestido decotadíssimo, ele avistou uma mulher daquelas. Extremamente desejável. Pensou consigo: “Só um flerte. Só uma noitadinha”. Depois de toda a bondade que havia realizado, Deus tinha que fazer uma mínima vista grossa, afinal, ele era um homem.
Chegou bem de mansinho com ar de conquistador barato e perguntou com a maior intimidade à moça:
-Qual a sua graça minha linda?
-Meu nome é Deusdete. E o seu?

Guethner Wirtzbiki
* Conto publicado no livro Encontos e desencontos, um dos vencedores do Edital de Incentivo à literatura da Prefeitura de Fortaleza.

2 comentários:

Lhana Thais disse...

irado! amei rever seu blog!
se cuida meu querido!
saudades suas!

Vc disse...

"...afinal, ele era um homem."
¬¬

muito bom!
BJoooo