segunda-feira, 30 de junho de 2008
Prólogo- Cantos Singelos
Prólogo- Cantos Singelos
Quando, aos últimos lampejos dos raios solares, a natureza é triste como a imagem do desgosto, e o manto crepuscular se estende pela face do céu como pudico véu da melancolia, as aves soltam os últimos cantos da tarde,- saudosos como o momento da despedida; nessa hora em que a natureza apresenta um certo quê de misterioso abatimento e desânimo, e como que medita e suspira; nessa hora, digo, que a humanidade finda a luta do trabalho diário, e em que o sino do campanário pausada e tetricamente, toca as - Ave Marias, - minh’alma cisma, procurando ler no mesto silêncio da natureza, a causa desta sombriedade, que se apresenta neste momento em sua fronte abatida.
Minh’alma cisma, embrenhando-se nas recordações e nas contrariedades da vida, e de meu peito se escapam, como eflúvios, esses suspiros plangentes que se vão unir as lágrimas da natureza que chora!
Quando, porém, passa esse momento, e a lua assoma majestosa , baloiçando-se altiva na profundeza intérmina do espaço, e a natureza, como que despertando de um leve torpor, assume as suas divinas e habituais formas, das esplêndidas noites de verão; e que a vida parece rejuvenecer aos encantos mágicos desse luar imenso, à luz do qual, a brisa vespertina voga, agitando a folhagem das roseiras, como criança travessa, que corre pelo vergel, brincando com as borcoletas; arrancando das pétalas rubras das rosas, essa ambrosia agreste e penetrante, que deleita, que inspira e transporta a alma aos paramos etéreos, do delírio, das ilusões, da fantasia e do entusiasmo; quem não ama, na mocidade da vida ao doce influxo de todos esses encantos?
Quem não sente o calor das harmonias dos campos e ao influxo voluptuoso da fantasia das praças, o coração pulsar de gozo, embora crivado de espinhos? Quem há, que não sinta alguma coisa de poesia, escapar-se-lhes d’alma ao impulso sublime de todo esse conjunto de harmonias do solo cearense?
Quem há que não sorria com essas manhãs, e não suspire com essas tardes? Quem há que aspirando o doce perfume das savanas floridas, fitando os gigantescos picos desta serra que se ergue ao longe como uma cordilheira de anil, e de perto é verde-escura, como a face do oceano; fitando as grimpas alteneiras dessas montanhas gigantescas, que se enrolam pelos geados, no sudário branco das neves; contemplando essas matas escuras como madeixas, onde as corsas erram brincando pelas encostas dos talhados, onde a araponga bravia soluça às mornas virações das tardes, e onde o sabiá do monte trina numa harmonia arrebatadora, pousando à frondente copa do baco-pary, e a samambaia desce, como juba de cachos, pelo dorso das maçarandubas, onde os regatos passam gemendo pelas hastes dos ingazeiros, despenhando-se pelos degraus de uma escada de catadupas, indo espadanar-se por estas vastas campinas do sertão onde aves aquáticas tagarelam, ao meio dia, por entre as brancas flores dos aguapés, atravessando o cerrado das paca-viras, brincando, na transparência dos lagos?Por esses noites e manhãs de Junho, quando a copa do pau-d’arco, florido, é rubra como a face pura d’aurora,e a frança dos paus-brancos é alva como a neve, alcatifando de flores a estrada, à margem da qual a oiticica frondente e silenciosa se ostenta com sua ramagem protetora, à cuja sombra descansam os comoboreyros, durante a ardente calma do dia, como os árabes do deserto à sombra do verde e imponente sycomoro?
Foi ao influxo de todas essas harmonias do solo cearense, onde “todo o rapaz é poeta aos vinte anos”, segundo a frase do distinto literato, Antônio Bezerra, que eu também, embriagado na redolência dessa polianthéa de ilusões que ornam os sonhos da mocidade; que escrevi alguns versos, dos quais tirei estes, que agora publico com o título de - Cantos Singelos.
Estes versos, ou por outra, esta coleção de palavras, que pela aridez de meu espírito rude e inculto, contém os maiores e mais graves erros contra as regras da arte, que confesso ignorar, representam portanto, não uma obra literária que encerre qualquer valor pelo qual se torne recomendável; recomenda-se para mim por ser- a taça cristalina- e negra, em que se recolhem os sorrisos dos prazeres momentâneos, e as lágrimas do infortúnio que me entorna a existência.
É uma espécie de carteira, de notas, onde minh’alma aponta os amargos e doces momentos da vida. Portanto, o pequeno e humilde livro que agora publico, e que, como o “viajor errante”, penetra sem rumo e sem destino no mundo das letras, não vai procurar um nome a seu humilde e obscuro autor e menos uma colocação qualquer no vasto cenário das “Literatura pátria”. Não. Publico-o, como um simples presente que faço,- uma simples lembrança aos meus amigos, e a uma pessoa, a quem me prendo por uma afeição particular.
Pobre, obscuro, sem nome e sem instrução, agrilhoado pela corrente do infortúnio, que me persegue, sofrendo desde o berço uma horrível moléstia nervosa, hoje complicada com uma pericardite, uma hepatite e uma dispepsia, que tanto me abatem as enfraquecidas faculdades, concentrando-me n’este reduto de misérias, que me oprimem a existência, obrigando-me a empunhar o ferro d’uma arte que tanto contribui para a progressão do mal, como me têm feito ver alguns médicos, porém que a dura contigência da sorte não me permite abandonar, como não me permitiu estudar muita coisa; sem ter feito sequer exame de primeiras letras, não podia, portanto, arrojar-me a publicar um livro, com o fim de me salientar uma vez que reconheço a insuficiência de meus recursos para este fim.
Estes versos, os escrevo quase por uma simples mania, por mera distração, enquanto procuro esquecer os tormentos e desgostos que me pungem a alma.
Segundo os meus sofrimentos, estes versos deveriam ser escritos com-lágrimas; porém, eu faço por desviar-me da impressão; aprofundá-la seria agravar mais a chaga dos martírios; e por isso, faço, por um grande esforço que emprego, por procurar na aflição a calma e a resignação, trocando o gemido pelo sorriso, ligando ao mal o maior indiferentismo, embora não possa de todo extinguir o desgosto.
Apanhados pela pena no momento em que sinto disposto, e lançados no papel, conforme passam no ouvido com toda a grosseria e rudeza, são despidos dos atavios necessários e portanto, não têm a fragância e o colorido da poética, da gramática e da retórica e nem a inspiração educada pela literatura modo realista.
Eu sou o primeiro a confessar os meus erros, porque não posso, nem devo sacrificar a verdade. Além do pouco gosto que tenho na vida, que me faz ligar pouca atenção às coisas, mesmo que me dizem respeito, e pela falta de tempo que tenho para ocupar-me de literatura, deixo de corrigir vários erros que estavam ao meu alcance.
Fica portanto, demonstrado que a publicação d’este livro não é, como deixei dito, uma aspiração à glória. Não. Escrevo versos porque sou vivo e, como tal, sinto as emoções e os embates, e embriagado nos momentâneos prazeres e martírios! Sou d’esses ébrios, que não podem conter a alegria sem um grito, embora comprima o gemido da dor!...
A essa falange brilhante de moços instruídos e talentosos que se ergue altiva como onda majestosa do entusiasmo, como o apogeu da grandeza incendiada do século, compete a glória das letras; d’ela depende o engrandecimento da pátria, que n’ela vê a esperança de sua grandeza.
Eu, porém, filho da massa inculta, não posso fazer parte do banquete das letras, apenas bato palmas ao vê-la passar triunfante, como prova de que não seria indiferente ao movimento da divina evolução, se tivesse podido estudar alguma coisa que me conferisse as habilitações necessárias.
Se, porém, não o tendo podido fazer, e pelo fato de publicar um livro, os doutos e os críticos, sem atenderem às condições e considerações expostas, não julgarem os meus erros dignos de perdão, e lançarem os olhos sobre mim, considerando os meus rudes e singelos versos, como um produto da loucura, como um crime de lesa magestade às letras, como simples folhas de papel borradas; resta-me sempre um consolo: Que, se eu peco por ignorância, alguns pecam tendo conhecimento; se eu erro como simples praticante, alguns têm errado, sendo mestres.
Baturité, 14 de Dezembro de 1892
Francisco Silvério
sexta-feira, 13 de junho de 2008
Cordel História do Dias Macedo
História do bairro Dias Macedo
Ao Deus Todo-poderoso
Peço o Seu consentimento
Para então poder versar
Com total discernimento
Sobre, entre tantas idéias,
A que diante a platéia
Rouba a atenção do momento.
Ultimamente dedico
Meus fazeres literários
Às pesquisas sobre os bairros
Que estão no itinerário,
E para este ato tão nobre
Materialmente pobre
Nem cobro meus honorários.
Faço por amor que tenho
A nossa memória oral
Que teima em vir me dizer
Fatos da história local,
E extraio de Fortaleza
Retalhos desta beleza
Peças soltas de um total.
Antes que eu me prolongue
E não comece tão cedo
A discursar sobre o tema
Que já não é mais segredo
Vou agora revelar
Que venho cordelizar
O bairro Dias Macedo.
Falarei poucas palavras
Sobre específica história
Do povo e povoação
Que ainda constam na memória
Dos antigos moradores
Que amarguraram dores
Mas conquistaram vitória.
O bairro Dias Macedo
Que em versos eu represento
Surgiu nos anos sessenta,
Em seu primeiro momento
Brotou das mãos das volantes
Dos diversos retirantes
Que nele tinham um intento.
Intento de se instalar
fixando residência
Vinham fugidos da seca
Que induzia a indigência
Trazia a fome e a morte
E toda espécie de sorte
A furtar-lhes a decência.
Na capital procuravam
Por melhores condições
Vinham de suas cidades
De diversas regiões
A carregarem seus trapos
Agüentando os sopapos
Do trilhar dos caminhões.
Surgiu o Dias Macedo,
(Já sabido por vocês)
Às margens de uma BR,
Nossa cento e dezesseis,
Como bairro foi surgindo
Ao passo que ia emergindo
Dia a dia, mês a mês.
A população que vinha
Toda que desgovernada
Improvisou seus barracos
E numa pressa danada
Aumentou em dimensão
Espaço e população
Numa ação desenfreada.
Ainda às margens da cidade
Reconhecida tão bela
O bairro pegava forma
De desnítida aquarela
Que estava se completando
E o tempo foi passando
Originando as Favelas.
Falta de higienização
Tratou de trazer bem cedo
A preocupação de muitos
Dentre eles, os Macedo
Família proprietária
Da área latifundiária
Onde se passa o enredo.
Nesse ponto dou uma pausa
Na histórica seqüência
Para explicar ao leitor
Com tranqüila paciência
A respeito dos Macedo
Alicerces quais rochedo
Cuidaram da indigência.
O primeiro passo foi
Criar-se uma fundação
Que pudesse facultar
Ao povo, uma educação,
Abrindo-lhes horizontes
Construindo juntos, pontes
Promovendo a informação.
Antônio Dias Macedo
Era o nome que a regia
Fundação que no local
Muita coisa já fazia
Projetos financiava
Com o povo articulava
E à causa aderia.
Foi quem instalou o centro
Que comunitário era
Chamado “Nova vivenda”
Que o Paroquial pondera
A atitude louvável
Numa forma bem notável
Foi trazendo uma outra era.
Depois foi vez do Conselho
Provisório de Moradores
Que também estimulados
Digo senhoras, senhores
Que foi uma grande ajuda
Como quem planta uma muda
Prevendo as cores das flores.
Com o Posto de saúde
E com o Grupo escolar
A Fundação começou
De fato a financiar
Os projetos indicados
Que pro povo eram voltados
A fim de os capacitar.
Conselho de moradores
Com orientação política
Não poderia jamais
Envergar postura mítica
Ao Pirambu se aliou
Com o fato consolidou
Uma atitude mais crítica.
Outras coisas decisivas
Para do bairro, a expansão
Desafogando as favelas
Mudando a situação
Foi uma luta tecer
“Terra nossa” e “Renascer”
Frutos da ocupação.
Eis que o referido bairro
Foi melhor distribuído
Anteriormente rural
Ficou mais evoluido
Foi percebido no ato
Uma conquista de fato
Pelo povo conseguido.
A luta por moradia
Não cessou nenhum momento
E de fato culminara
Com seu desfavelamento
Favelas, antigos lares
Viram casas populares
No bairro em questionamento.
Regime de multirão
Ajuda mútua, amizade
Esperança, persistência
Perseverança, hombridade
Sentimentos que excedem
Que concedem e que concebem
O bairro em nossa cidade.
Além dos assentamentos
E conquistas, dentre tantas
A construção do semáforo
Na Avenida Pedro Dantas
Cruzando a Alberto Craveiro
Foi ato firme e ordeiro
Que até hoje glórias canta.
Distante nove quilômetros
Do centro desta cidade
O bairro Dias Macedo
Esbanja prosperidade,
Projeto de lei do então
Agamenom Frota Leitão
Vereador desta cidade.
Conhecido inicialmente
Por bairro "Mata-Galinha"
Com picaresco sentido
Que esta história continha
Do riacho que banhava
A relva que sitiava
A área circunvizinha.
Conta a memória local
Dos antigos moradores
Que o riacho em questão
Foi rota de vendedores,
E que um vendedor pateta
Perdera a carga completa
Que levava aos compradores.
Querendo transpor o riacho
O veículo tombou
Pois o caminhão de carga
Logo desequilibrou
E toda a carga que tinha
(A caçamba de galinhas)
No riacho se afogou.
Depois de "Mata-Galinha"
Outro nome o sucedeu
Foi com o nome Parque Olinda
Que muito se conheceu
Não tardou, logo bem cedo
Tornou-se Dias Macedo
Nome que prevaleceu.
Caros amigos leitores
Peço-lhes compreensão
Se acaso, porventura
No curso da redação
Escrevi neste cordel
Alguma história infiel
Usando de imprecisão.
Já que recorri com afinco
À minhas fontes de estudo
Sou ciente que de fato
Não pude relatar tudo
Mas fui muito fidedigno
E se acharem-me indigno
Abaixo a guarda do escudo.
Guethner Wirtzbiki, 10/06/08