segunda-feira, 30 de junho de 2008

Prólogo- Cantos Singelos

Francisco Silvério, meu bisavô, escritor cearense nascido em Baturité, escreveu, dentre outros, o livro "Cantos Singelos", o qual mandou publicar no ano de 1894, em Lisboa. Tenho a intençao de reeditar esse livro, e para isso estou digitando o referido livro, já que possuo, ao meu ver, o único exemplar restante do conjunto impresso pelo poeta. Necessito apenas (pense na importância) de apoio financeiro. Reescrevo abaiso o prólogo escrito em prosa pelo poeta Francisco Silvério, para apreciação.


Prólogo- Cantos Singelos

Quando, aos últimos lampejos dos raios solares, a natureza é triste como a imagem do desgosto, e o manto crepuscular se estende pela face do céu como pudico véu da melancolia, as aves soltam os últimos cantos da tarde,- saudosos como o momento da despedida; nessa hora em que a natureza apresenta um certo quê de misterioso abatimento e desânimo, e como que medita e suspira; nessa hora, digo, que a humanidade finda a luta do trabalho diário, e em que o sino do campanário pausada e tetricamente, toca as - Ave Marias, - minh’alma cisma, procurando ler no mesto silêncio da natureza, a causa desta sombriedade, que se apresenta neste momento em sua fronte abatida.
Minh’alma cisma, embrenhando-se nas recordações e nas contrariedades da vida, e de meu peito se escapam, como eflúvios, esses suspiros plangentes que se vão unir as lágrimas da natureza que chora!
Quando, porém, passa esse momento, e a lua assoma majestosa , baloiçando-se altiva na profundeza intérmina do espaço, e a natureza, como que despertando de um leve torpor, assume as suas divinas e habituais formas, das esplêndidas noites de verão; e que a vida parece rejuvenecer aos encantos mágicos desse luar imenso, à luz do qual, a brisa vespertina voga, agitando a folhagem das roseiras, como criança travessa, que corre pelo vergel, brincando com as borcoletas; arrancando das pétalas rubras das rosas, essa ambrosia agreste e penetrante, que deleita, que inspira e transporta a alma aos paramos etéreos, do delírio, das ilusões, da fantasia e do entusiasmo; quem não ama, na mocidade da vida ao doce influxo de todos esses encantos?
Quem não sente o calor das harmonias dos campos e ao influxo voluptuoso da fantasia das praças, o coração pulsar de gozo, embora crivado de espinhos? Quem há, que não sinta alguma coisa de poesia, escapar-se-lhes d’alma ao impulso sublime de todo esse conjunto de harmonias do solo cearense?
Quem há que não sorria com essas manhãs, e não suspire com essas tardes? Quem há que aspirando o doce perfume das savanas floridas, fitando os gigantescos picos desta serra que se ergue ao longe como uma cordilheira de anil, e de perto é verde-escura, como a face do oceano; fitando as grimpas alteneiras dessas montanhas gigantescas, que se enrolam pelos geados, no sudário branco das neves; contemplando essas matas escuras como madeixas, onde as corsas erram brincando pelas encostas dos talhados, onde a araponga bravia soluça às mornas virações das tardes, e onde o sabiá do monte trina numa harmonia arrebatadora, pousando à frondente copa do baco-pary, e a samambaia desce, como juba de cachos, pelo dorso das maçarandubas, onde os regatos passam gemendo pelas hastes dos ingazeiros, despenhando-se pelos degraus de uma escada de catadupas, indo espadanar-se por estas vastas campinas do sertão onde aves aquáticas tagarelam, ao meio dia, por entre as brancas flores dos aguapés, atravessando o cerrado das paca-viras, brincando, na transparência dos lagos?Por esses noites e manhãs de Junho, quando a copa do pau-d’arco, florido, é rubra como a face pura d’aurora,e a frança dos paus-brancos é alva como a neve, alcatifando de flores a estrada, à margem da qual a oiticica frondente e silenciosa se ostenta com sua ramagem protetora, à cuja sombra descansam os comoboreyros, durante a ardente calma do dia, como os árabes do deserto à sombra do verde e imponente sycomoro?
Foi ao influxo de todas essas harmonias do solo cearense, onde “todo o rapaz é poeta aos vinte anos”, segundo a frase do distinto literato, Antônio Bezerra, que eu também, embriagado na redolência dessa polianthéa de ilusões que ornam os sonhos da mocidade; que escrevi alguns versos, dos quais tirei estes, que agora publico com o título de - Cantos Singelos.
Estes versos, ou por outra, esta coleção de palavras, que pela aridez de meu espírito rude e inculto, contém os maiores e mais graves erros contra as regras da arte, que confesso ignorar, representam portanto, não uma obra literária que encerre qualquer valor pelo qual se torne recomendável; recomenda-se para mim por ser- a taça cristalina- e negra, em que se recolhem os sorrisos dos prazeres momentâneos, e as lágrimas do infortúnio que me entorna a existência.
É uma espécie de carteira, de notas, onde minh’alma aponta os amargos e doces momentos da vida. Portanto, o pequeno e humilde livro que agora publico, e que, como o “viajor errante”, penetra sem rumo e sem destino no mundo das letras, não vai procurar um nome a seu humilde e obscuro autor e menos uma colocação qualquer no vasto cenário das “Literatura pátria”. Não. Publico-o, como um simples presente que faço,- uma simples lembrança aos meus amigos, e a uma pessoa, a quem me prendo por uma afeição particular.
Pobre, obscuro, sem nome e sem instrução, agrilhoado pela corrente do infortúnio, que me persegue, sofrendo desde o berço uma horrível moléstia nervosa, hoje complicada com uma pericardite, uma hepatite e uma dispepsia, que tanto me abatem as enfraquecidas faculdades, concentrando-me n’este reduto de misérias, que me oprimem a existência, obrigando-me a empunhar o ferro d’uma arte que tanto contribui para a progressão do mal, como me têm feito ver alguns médicos, porém que a dura contigência da sorte não me permite abandonar, como não me permitiu estudar muita coisa; sem ter feito sequer exame de primeiras letras, não podia, portanto, arrojar-me a publicar um livro, com o fim de me salientar uma vez que reconheço a insuficiência de meus recursos para este fim.
Estes versos, os escrevo quase por uma simples mania, por mera distração, enquanto procuro esquecer os tormentos e desgostos que me pungem a alma.
Segundo os meus sofrimentos, estes versos deveriam ser escritos com-lágrimas; porém, eu faço por desviar-me da impressão; aprofundá-la seria agravar mais a chaga dos martírios; e por isso, faço, por um grande esforço que emprego, por procurar na aflição a calma e a resignação, trocando o gemido pelo sorriso, ligando ao mal o maior indiferentismo, embora não possa de todo extinguir o desgosto.
Apanhados pela pena no momento em que sinto disposto, e lançados no papel, conforme passam no ouvido com toda a grosseria e rudeza, são despidos dos atavios necessários e portanto, não têm a fragância e o colorido da poética, da gramática e da retórica e nem a inspiração educada pela literatura modo realista.
Eu sou o primeiro a confessar os meus erros, porque não posso, nem devo sacrificar a verdade. Além do pouco gosto que tenho na vida, que me faz ligar pouca atenção às coisas, mesmo que me dizem respeito, e pela falta de tempo que tenho para ocupar-me de literatura, deixo de corrigir vários erros que estavam ao meu alcance.
Fica portanto, demonstrado que a publicação d’este livro não é, como deixei dito, uma aspiração à glória. Não. Escrevo versos porque sou vivo e, como tal, sinto as emoções e os embates, e embriagado nos momentâneos prazeres e martírios! Sou d’esses ébrios, que não podem conter a alegria sem um grito, embora comprima o gemido da dor!...
A essa falange brilhante de moços instruídos e talentosos que se ergue altiva como onda majestosa do entusiasmo, como o apogeu da grandeza incendiada do século, compete a glória das letras; d’ela depende o engrandecimento da pátria, que n’ela vê a esperança de sua grandeza.
Eu, porém, filho da massa inculta, não posso fazer parte do banquete das letras, apenas bato palmas ao vê-la passar triunfante, como prova de que não seria indiferente ao movimento da divina evolução, se tivesse podido estudar alguma coisa que me conferisse as habilitações necessárias.
Se, porém, não o tendo podido fazer, e pelo fato de publicar um livro, os doutos e os críticos, sem atenderem às condições e considerações expostas, não julgarem os meus erros dignos de perdão, e lançarem os olhos sobre mim, considerando os meus rudes e singelos versos, como um produto da loucura, como um crime de lesa magestade às letras, como simples folhas de papel borradas; resta-me sempre um consolo: Que, se eu peco por ignorância, alguns pecam tendo conhecimento; se eu erro como simples praticante, alguns têm errado, sendo mestres.



Baturité, 14 de Dezembro de 1892


Francisco Silvério

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Cordel História do Dias Macedo

Dia 11/06/2008, às 16:00 horas, dei uma entrevista na Rádio Comunidade do Dias Macedo, no programa "Política e cultura" do radialista Edilson Aguiar. Na ocasião foram discutidas questões referentes à políticas alemãs e brasileiras da época da imigração de Franz Wirtzbiki e também aspectos típicos da minha literatura, fazendo um release de vários trabalhos publicados (ou não) de minha autoria, passando ainda pela chegada da literatura popular no Brasil e sua fixação no nordeste brasileiro. Na ocasião, aproveitei para tornar público o meu mais recente cordel intitulado "Cordel História do bairro Dias Macedo", o qual subscrevo a seguir:

História do bairro Dias Macedo

Ao Deus Todo-poderoso

Peço o Seu consentimento

Para então poder versar

Com total discernimento

Sobre, entre tantas idéias,

A que diante a platéia

Rouba a atenção do momento.


Ultimamente dedico

Meus fazeres literários

Às pesquisas sobre os bairros

Que estão no itinerário,

E para este ato tão nobre

Materialmente pobre

Nem cobro meus honorários.


Faço por amor que tenho

A nossa memória oral

Que teima em vir me dizer

Fatos da história local,

E extraio de Fortaleza

Retalhos desta beleza

Peças soltas de um total.


Antes que eu me prolongue

E não comece tão cedo

A discursar sobre o tema

Que já não é mais segredo

Vou agora revelar

Que venho cordelizar

O bairro Dias Macedo.


Falarei poucas palavras

Sobre específica história

Do povo e povoação

Que ainda constam na memória

Dos antigos moradores

Que amarguraram dores

Mas conquistaram vitória.


O bairro Dias Macedo

Que em versos eu represento

Surgiu nos anos sessenta,

Em seu primeiro momento

Brotou das mãos das volantes

Dos diversos retirantes

Que nele tinham um intento.


Intento de se instalar

fixando residência

Vinham fugidos da seca

Que induzia a indigência

Trazia a fome e a morte

E toda espécie de sorte

A furtar-lhes a decência.


Na capital procuravam

Por melhores condições

Vinham de suas cidades

De diversas regiões

A carregarem seus trapos

Agüentando os sopapos

Do trilhar dos caminhões.


Surgiu o Dias Macedo,

(Já sabido por vocês)

Às margens de uma BR,

Nossa cento e dezesseis,

Como bairro foi surgindo

Ao passo que ia emergindo

Dia a dia, mês a mês.


A população que vinha

Toda que desgovernada

Improvisou seus barracos

E numa pressa danada

Aumentou em dimensão

Espaço e população

Numa ação desenfreada.


Ainda às margens da cidade

Reconhecida tão bela

O bairro pegava forma

De desnítida aquarela

Que estava se completando

E o tempo foi passando

Originando as Favelas.


Falta de higienização

Tratou de trazer bem cedo

A preocupação de muitos

Dentre eles, os Macedo

Família proprietária

Da área latifundiária

Onde se passa o enredo.


Nesse ponto dou uma pausa

Na histórica seqüência

Para explicar ao leitor

Com tranqüila paciência

A respeito dos Macedo

Alicerces quais rochedo

Cuidaram da indigência.


O primeiro passo foi

Criar-se uma fundação

Que pudesse facultar

Ao povo, uma educação,

Abrindo-lhes horizontes

Construindo juntos, pontes

Promovendo a informação.


Antônio Dias Macedo

Era o nome que a regia

Fundação que no local

Muita coisa já fazia

Projetos financiava

Com o povo articulava

E à causa aderia.


Foi quem instalou o centro

Que comunitário era

Chamado “Nova vivenda”

Que o Paroquial pondera

A atitude louvável

Numa forma bem notável

Foi trazendo uma outra era.


Depois foi vez do Conselho

Provisório de Moradores

Que também estimulados

Digo senhoras, senhores

Que foi uma grande ajuda

Como quem planta uma muda

Prevendo as cores das flores.


Com o Posto de saúde

E com o Grupo escolar

A Fundação começou

De fato a financiar

Os projetos indicados

Que pro povo eram voltados

A fim de os capacitar.


Conselho de moradores

Com orientação política

Não poderia jamais

Envergar postura mítica

Ao Pirambu se aliou

Com o fato consolidou

Uma atitude mais crítica.


Outras coisas decisivas

Para do bairro, a expansão

Desafogando as favelas

Mudando a situação

Foi uma luta tecer

“Terra nossa” e “Renascer”

Frutos da ocupação.


Eis que o referido bairro

Foi melhor distribuído

Anteriormente rural

Ficou mais evoluido

Foi percebido no ato

Uma conquista de fato

Pelo povo conseguido.


A luta por moradia

Não cessou nenhum momento

E de fato culminara

Com seu desfavelamento

Favelas, antigos lares

Viram casas populares

No bairro em questionamento.


Regime de multirão

Ajuda mútua, amizade

Esperança, persistência

Perseverança, hombridade

Sentimentos que excedem

Que concedem e que concebem

O bairro em nossa cidade.


Além dos assentamentos

E conquistas, dentre tantas

A construção do semáforo

Na Avenida Pedro Dantas

Cruzando a Alberto Craveiro

Foi ato firme e ordeiro

Que até hoje glórias canta.


Distante nove quilômetros

Do centro desta cidade

O bairro Dias Macedo

Esbanja prosperidade,

Projeto de lei do então

Agamenom Frota Leitão

Vereador desta cidade.


Conhecido inicialmente

Por bairro "Mata-Galinha"

Com picaresco sentido

Que esta história continha

Do riacho que banhava

A relva que sitiava

A área circunvizinha.


Conta a memória local

Dos antigos moradores

Que o riacho em questão

Foi rota de vendedores,

E que um vendedor pateta

Perdera a carga completa

Que levava aos compradores.


Querendo transpor o riacho

O veículo tombou

Pois o caminhão de carga

Logo desequilibrou

E toda a carga que tinha

(A caçamba de galinhas)

No riacho se afogou.


Depois de "Mata-Galinha"

Outro nome o sucedeu

Foi com o nome Parque Olinda

Que muito se conheceu

Não tardou, logo bem cedo

Tornou-se Dias Macedo

Nome que prevaleceu.


Caros amigos leitores

Peço-lhes compreensão

Se acaso, porventura

No curso da redação

Escrevi neste cordel

Alguma história infiel

Usando de imprecisão.


Já que recorri com afinco

À minhas fontes de estudo

Sou ciente que de fato

Não pude relatar tudo

Mas fui muito fidedigno

E se acharem-me indigno

Abaixo a guarda do escudo.


Guethner Wirtzbiki, 10/06/08